domingo, 25 de setembro de 2011

Anarquistas graças a Deus


Zélia resgata suas memórias da infância e parte da adolescência narrando suas percepções acerca do cotidiano de sua família (imigrantes italianos e anarquistas) durante todo o período que residiram na casa da rua Alameda Santos, SP. Com linguagem simples, com um “q” de criança que conta o que percebe e como se sente, possibilita viajarmos  um pouquinho na sua história e sermos remetidos a  época e fatos da narrativa.

Trechos:

(Sobre quando seu Ernesto deixou o trabalho de motorista) “Mas seu Ernesto não nascera para servir patrões. Não era homem para andar de luvas, empertigar-se ao abrir portas de carros, permanecer imóvel como estátua enquanto os patrões subissem ou descessem do automóvel, receber ordens.Positivamente não nascera para aquilo. Deu um basta, deixou o emprego.”

(Sobre SP)”... Fora esse detalhe, o do trânsito, a cidade crescia mansamente. Não havia surgido ainda a febre dos edifícios altos; nem mesmo o “Prédio Martinelli” – arranha céu pioneiro em São Paulo, se não me engano do Brasil- fora ainda construído. Não existia rádio, e televisão, nem em sonhos. Não se curtia sons em aparelhos de alta-fidelidade. Ouvia-se músicas em gramofones de tromba e manivela, havia tempo pra tudo, ninguém se afobava, ninguém andava depressa.”

(Sobre os enterros) ...”Quando havia algum enterro- no dizer de Savério- crescia a animação, os vizinhos apostavam: quantos cavalos conduzirão o coche funerário? Quantos automóveis o acompanharão? Quantos carros com coroa? Mais homens ou mulheres no cortejo?..”

(Colônia Cecília) “Cardias ainda ia mais adiante: nas ultimas páginas do seu estudo, seus planos, fazia um apelo às pessoas que estivessem de acordo com suas teorias (...) por fim Francisco Arnaldo Gattai encontrava alguém com dinamismo e inteligência, disposto a tornar realidade um sonho, seu e de outros camaradas”

“...Foi no livro do escritor Afonso Schmidt, “Colônia Cecília” publicado em 1942 em São Paulo, que encontrei algumas respostas as minhas indagações, interei-me da extensão da aventura anarquista...”

“...Havia ainda a versão anticlerical do tio Guerrando...”

domingo, 18 de setembro de 2011

Baixio das bestas(Cláudio Assis) e Persona (Ingmar Bergman)




Tá junto, mas não é análise comparativa; só comentários desses dois filmes que assisti esse final de semana.

Baixio das bestas

“ A pobreza é como um câncer, pode ter até parte boa no mundo, mas vai destruindo tudo. Quando tu vê já pegou o pulmão... A pobreza é que vai socializar o mundo!”

Frase dita pelo personagem de Matheus Nachtergaele . O filme aborda exploração, machismo e coronelismo. Particularmente gosto deste diretor. Infelizmente, não foi possível ver ainda Febre de Rato, expressão que por sinal, aparece na cena final deste filme.

Melhor cena: Personagem de Nachtergaele fuma um cigarro de maconha, olha diretamente para câmera e diz: “Sabe o que é o melhor do cinema? É que no cinema tu pode fazer o que tu quer.”

Persona

Uma atriz emudece e uma enfermeira a acompanha em uma casa de campo. Bem psicológico, com cortes no mesmo plano. Não tem como negar, pra quem assistiu Prête- à- Poter 10, o movimento “Adorável Callas” que a criação das atrizes sob supervisão de Antunes filho foi baseada neste filme de Bergman.






terça-feira, 6 de setembro de 2011

Os condenados - A trilogia do exílio - Oswald de Andrade



“Um velho barco tem sempre uma grande história, uma história maior que a do oceano” pg 328 Este trecho do livro resume a sensibilidade “cinematográfica” duma obra de arquivo de vivências pessoais do escritor.



Somos todos barcos...

Orelha(trecho):” Documento do difícil começo do modernismo em SP de 1917 a 1921, romance vaiado na semana de Arte Moderna, retrato do artista brasileiro quando jovem, “Os condenados” reúne os três romances planejados por Oswald para “A trilogia do exílio” no formato original – Os condenados (Alma) (1922). A estrela do absinto (1927) e A escada vermelha (1934). Verdadeiro Roman-fleuve do modernismo, intenso e variado, de personagens que se conhece, segundo Mário da Silva Brito, como Mary Beatriz – síntese de Kamiá, Landa e Dayse- na vida de Oswald; Jorge d´Avelos, síntese do próprio autor com o escultor Brecheret, e Mongol, a Pagu da rebeldia libertária. Romance de primeira geração modernista, drama exuberante e sofrido dos jovens artistas em rebelião contra o conservadorismo da sociedade paulistana, na procura tortuosa de uma vida autêntica, vivendo cenas do espetáculo do sofrimento humano, conta a história de lutas, castigos, desesperos e condenação, onde Carlos Drummond de Andrade viu “uma dor positiva, flagrante, uma dor nua”. Lança um grito de angústia e uma crítica radical dirigidos à família, à igreja, à imprensa e à própria história nacional, uma “indominável revolta contra o meio social” (Nestor Victor)
Monteiro Lobato foi o primeiro a ver a vida de Luquinhas “primorosamente cinematográfica numa série de quadros à Griffth”(1922) O estilo se adapta como um Emaillot à vida trepidante do século” (Sérgio Miliet, 1941)...”

Personagens/cenas (trechos) – Velho Lucas (avô de Alma) “ O velho Lucas, recolhido ante o oratório pequenino e sem vidro dos filhos falecidos,com santos nas paredes internas e uma corte de figuras celestes de diversos tamanhos, trazidos ainda do Amazonas, rezava por todas as madrugadas pálidas ou azuis. Nada queria da vida que lhe dera alguma coisa e tirava mais do que dera. Tinha o cão pequenino, a neta ruiva, o moleque. E sabia que
Deus o esperava no fim das tardes vacilante de seus dias.”

Alma/Telegrafista – “Alma vestia-se numa auréola,rindo muito o seu riso desigual e lascivo daquela amor macambúzio.
Sob o abajur, ouro e azul, o belo corpo numa camiseta transparente e curta, maxixava cantando:
-Tari-tari!Bem picadinho!Vou dançar...
João sentara-se pensando na impossibilidade de prolongar aquela vida.
Na íntima penumbra do peito, sentia correr-lhe um rio de tristezas atávicas, inexpressivo, surdo e tenebroso.
Pensava na sua incapacidade invencível para as festas da terra. Seus pais nunca haviam maxixado, nem sua irmã louca, pobre Ofélia sem Hamlet...”

Jorge- “ Fora sempre um fragmentário. Em torsos quebrados, metades, estudos largados, concentrava numa predileção alegre e constante a força reveladora da sua arte. Era um criador de mutilações”

“Sentia-se cansado. Resignava-se. Aceitaria doravante as diminuições que viessem. Era isso mesmo a vida humana- uma série de quedas físicas e de provações morais, em torno de uma grave e íntima ascensão...”


sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Trecho: "Testamento de Rodin"

"...Lembrai-vos disso: não ha traços, só ha volumes. Quando desenhais, nunca vos preocupeis com o contorno, mas com o relevo. É o relevo, que rege o contorno.
Exercitai-vos sem descanso. É preciso acostumar-vos à profissão.
A arte não é senão sentimento. Mas sem a ciência dos volumes, das proporções, das cores, sem a destreza da mão, o sentimento mais vivo paralisa-se. O que aconteceria com o maior poeta em um pais estrangeiro cuja língua ele ignorasse? Na nova geração de artistas há um grande número de poetas que, infelizmente, se recusa a aprender a falar. Por isso, não fazem mais que balbuciar.
Paciência! Não conteis com a imaginação. Ela não existe. As únicas qualidades do artista são: sabedoria, atenção, sinceridade e vontade. Cumpri vossa tarefa como operários honestos.
Jovens, sede verdadeiros. Isto porém, não significa: sede banalmente exatos. Há uma exatidão elementar - a da fotografia e do modelado. A arte só principia com a verdade interior. Que todas as suas formas, todas as suas cores traduzam sentimentos..."