quarta-feira, 7 de julho de 2010

Não orna II

Três minutos na fila da farmácia, Liz olha ao redor e pega um desodorante; imagina o que os caras da farmácia pensam que seria interessante estar ali de forma que ela pudesse gastar mais. Faz uma leitura dinâmica nos rótulos que lhe parecem novos: “cuidado”- escrito no desodorante. “Cuidado” no desodorante? Não é inseticida! Pega o frasco e lê novamente, está sem óculos: “cuidado sensível”. Devolve o frasco. Atrás dela, na fila entre os balcões de sabonetes, desodorantes, camisinhas, batons, barras de cereais, chocolate, remédios para dor de cabeça, remédios para o fígado, comprimidos para evitar ou curar ressaca, aquele outro pra quem quer encher a cara, porém se prevenir dos incômodos :“um antes e um depois” e vários shampoos em promoção ela vê um moço até que bem interessante. Na verdade, bonito para concepção dela.
O rapaz aparenta trinta e sete, no máximo quarenta anos, barba, cabelos e olhos bem pretos, alto, não muito magro, chinelo, blusa branca amassada, bermuda bege. Uma das vantagens de estar na casa dos trinta é a de poder interessar-se tanto por alguém de vinte e cinco como por alguém de quarenta e cinco. Aumenta a margem de possibilidades, assim como aumenta as festinhas de filhos de amigos, aumenta a reclamação desses mesmos amigos em relação aos anos de casamento, diminuem as chances de encontrar alguém descompromissado na noite, diminui o saco pra seguir algumas regras antes de casar-se, aumentam os casamentos de pouca duração nesta faixa etária ao mesmo tempo em que alguns deles duram muito mais dos que se casam casa na casa dos vinte, que depois de dez ou quinze anos de compromisso, separam-se.
Não, de novo não. Em sua última experiência casada aprendeu bem o que significava egotismo e variações de humor. Jonas ainda se dizia místico, coisas do signo de gêmeos com ascendente em Leão. Ela não entendia nada disso. Pensava: não descobriram novos planetas? Não desclassificaram Plutão da categoria? Nada disso alterou os signos? Justificativa, apenas justificativa para não se responsabilizar pelas próprias escolhas, ou melhor, não responsabilizar-se pelas conseqüências destas. Aliás, se Plutão não é mais planeta, ele é o que?
Ela olha o rapaz na fila e reflete se por acaso ele não se parece com Jonas, com o tempo ela percebeu que era bem normal esse tipo de reparação. Não se parece.
“Não se conhece pessoas só na noite” ecoa a voz de seu psicólogo.
Talvez por esta frase que gerou polêmica em terapia ela tenha reparado no rapaz da fila; situação diurna, diária. Achava melhor ter um psicoterapeuta a uma psicoterapeuta, isso enquanto acreditava que aqueles fossem mais realistas. Pensava em mudar para outro, mas tinha consciência, apesar de não compreender o porquê, que esse descontentamento era parte do processo, como lhe havia dito uma amiga formada em psicologia, gerente de uma loja de grife. Só de pensar em contar toda a vida pra outra pessoa considerando a tal linearidade ela desanimava, dinheiro e tempo de quatro sessões só pra relembrar quem foi. Linearmente. Depois de toda infância e adolescência repassada, chegar ao hoje, com tanto ontem embutido... Dinheiro jogado fora, arrumar outro psicólogo. Perda de tempo. Talvez ela tenha reparado apenas porque o tipo físico chamou-lhe atenção. Refletia: Que diacho era aquilo de tipo físico que a acompanhava desde a adolescência?Ainda que tenha variado no decorrer dos anos...
Não. Claro que não. Não se conhece pessoas só na noite.
Imaginou situações pra puxar assunto com o cara. Claro que não faria isso. Não que não pudesse ou acreditasse que não cabia a mulher esse tipo de iniciativa ainda mais numa situação de fila. Foi uma espécie de diversão momentânea.
Olhou o que ele segurava: remédio pra gripe. Poderia começar daí. Até chegar aconselhar chá de gengibre e própolis (considerado remédio universal por ela).
Ou então o clássico das filas: reclamar da demora, ainda mais naquela farmácia.
Perguntar indignada o que ele acha de todos aqueles produtos colocados por onde passa a fila. Seria isso necessário ou simplesmente teria o objetivo de levar a um maior consumo?
Começou a pensar no que estava por trás de cada frase, imaginou possíveis respostas. Imaginou perguntas esdrúxulas, respostas de mesmo patamar.
Pedro esperava-a impacientemente do lado de fora. Ele não gostava de perder as piadas sem graça que o professor fazia no início da aula. Entendia que não era culpa dela, mas dez minutos numa farmácia! Cinco minutos só pra escolher o tipo do absorvente, que diferença de função tem essas coisas?
Puta que pariu!É sim. Pensava Pedro – “se ela não tivesse enrolado pra escolher, não teria pegado a fila. Olha pra ver se Liz ainda está com o guarda chuva, ela já havia pedido dois naquele mês, inclusive, um era dele. Ele sempre perdia os isqueiros, mas nem comparação! Sabia que isso era hábito quase inconsciente de outros fumantes, sem querer, guardar isqueiro alheio no bolso ou especificamente hábito do Robson, que estava com um verde claro igualzinho ao último “perdido””.
Pedro entra na farmácia para apressar a amiga e escuta: Nossa! E aí Pedro? Há quanto tempo! – diz o moço da fila.
Relembram rapidamente da ultima vez que se viram. Despedem-se.
Liz pergunta na saída: Quem é?
Caso do Márcio, é casado.

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